27 de fev. de 2011

Santa Inês de Praga

                                                                                              
Anezka de Praga, a Princesa Clarissa (1211-1282)
Irmã Sandra Maria, Clarissa

Introdução
Inês (Anezka) de Praga, com quem Clara de Assis manteve correspondência epistolar, pertencia à dinastia dos Przemysl da Boêmia. Foi uma das grandes figuras do mundo eslavo, e a mais destacada propagadora da Ordem de Santa Clara na sua pátria. Com sua paixão intensa e fiel pela pobreza, é uma das testemunhas mais autênticas do carisma franciscano e sua figura provocou sempre um grande interesse, sobretudo em sua terra de origem.
Era filha do rei Otocar I da Boêmia e de Constância da Hungria; nasceu em Praga em 1211. Conforme um costume corrente na época medieval entre as famílias nobres, aos três anos de idade foi prometida em casamento a Boleslau, filho de Henrique, rei da Silésia; foi educada por algum tempo no mosteiro de Santa Edviges, de modo especial para fazer-se santa. Com a morte prematura do futuro esposo, quando ela contava apenas nove anos, em 1220, retornou à corte paterna e foi-lhe contratado matrimônio com Henrique VII, filho do Imperador Frederico II da Alemanha (1215-1250), que residia na corte da Áustria, para onde Inês foi transferida. Henrique, no entanto, faltou ao pacto e decidiu contrair matrimônio com Margarida, filha do arquiduque Leopoldo da Áustria. Inês voltou à Boêmia e convenceu o pai de não guerrear contra Leopoldo da Áustria. Assim, sucederam-se os pretendentes, entre os quais Henrique II da Inglaterra (1216-1272) e ainda mesmo o próprio Frederico II da Alemanha, depois que ficou viúvo. Anezka, que pretendia consagrar-se a Jesus Cristo, renunciou a todos os pretendentes e, permanecendo fiel aos seus ideais, empenhou-se no serviço aos pobres e doentes em Praga.

1.Incansável empenho evangélico

A partir de 1225 os Frades Menores estabelecidos em Praga sob os cuidados de Inês e da família real, transmitem as notícias sobre as novas formas de vida religiosa iniciadas por Francisco e Clara na Itália. Logo a princesa sentiu-se profundamente atraída pelo movimento franciscano e clariano e tornou-se fecunda batalhadora da vida evangélica. Com suas posses fez construir uma igreja e um convento para os Frades Menores em Praga. Depois da morte do pai, mandou edificar um hospital para os enfermos pobres, dedicado a São Francisco. Este hospital foi entregue por Inês à fraternidade dos Hospitaleiros, que se tornou uma verdadeira Ordem religiosa masculina, com o nome de Crucíferos da Estrela Vermelha, aprovados por Gregório IX. Conservou-se uma vasta documentação histórica e literária sobre a fundação desta Ordem religiosa; existe ainda a Bula de aprovação de 14 de abril de 1237. Os documentos lembram a princesa Inês como protetora e benfeitora da obra. Os Crucíferos tinham como ideal evangélico “estar a serviço” e escolheram viver sob a Regra de Santo Agostinho, colocando-se sob a proteção da princesa e de toda a família real de Praga. Desde 1238 tiveram autonomia na administração dos bens; em 1252 construíram um novo hospital em Praga e sucessivamente outros na Boêmia, Polônia, Áustria e Hungria. Durante os séculos seguintes, seus membros foram propagadores e defensores dos ideais franciscanos no espírito da princesa boêmia, que passou a ser considerada fundadora desta Ordem masculina. Depois de conhecer os Frades Menores e de ter construído a igreja e o convento de São Francisco para os Frades Menores, mandou construir junto a estes um mosteiro para as Irmãs Pobres, no qual ela mesma pretendia ingressar. A finalização dos trabalhos se deve ao rei Venceslau I, irmão de Inês, que assumira o reinado após a morte do pai. Neste mosteiro a princesa Inês organizou a vida religiosa, solicitando um grupo de irmãs diretamente do Mosteiro de São Damião de Assis. Porém não foi de Assis, mas de Trento que obteve cinco irmãs clarissas, por bula de Gregório IX. Com estas clarissas e mais sete jovens da nobreza boêmia, iniciou a vida religiosa na festa de Pentecostes de 1234 no Mosteiro das Pobres Damas de São Damião de Praga, vivendo reclusa até sua morte em 1282. A seu exemplo, muitas outras mulheres, jovens e viúvas da nobreza boêmia, polonesa e morávia começaram a construir mosteiros e a ingressar neles. O ideal clariano de contemplação foi semeado naquelas regiões, tanto pelas clarissas como pelos frades, destacando muitas mulheres com os títulos de bem-aventurada e santa.
O papa Gregório IX, a 15 de abril de 1238, acolheu com grandes elogios a renúncia que a princesa boêmia fazia de todos os seus bens, inclusive das rendas do hospital São Francisco de Praga, e aprovou para o seu mosteiro a Regra Hugoliniana de 1218-1219 (dele mesmo, quando ainda era Cardeal Hugolino) A partir de então, foi necessário construir um novo mosteiro, mais amplo, para acolher o grande número de vocações. Para este mosteiro, intitulado São Francisco, transferiram-se as irmãs, com a sua abadessa Inês. O crescimento da comunidade havia sido fabuloso: as irmãs já chegavam a cem neste período e continuaram aumentando. O conjunto das obras desenvolvidas, depois assumidas pela família real, envolveu também o aumento da igreja destinada à comunidade feminina. Mais tarde, em 1253, uma nova etapa de obras iria concluir o grande complexo de igrejas, claustros e edifícios, chamados “Na Frantisku” (a São Francisco) que, na literatura tcheca foi chamado “Assis de Praga” ou “Assis-Boêmia”. Escavações arqueológicas realizadas depois de 1940 nos locais que a Legenda de Santa Inês de Praga descreve como parte do monumental complexo, trouxeram descobertas interessantes e muito esclareceram sobre os primeiros anos da nobre princesa na clausura. Foram encontrados dois claustros, sendo o maior das Clarissas e o menor dos Frades Menores, várias capelas ou igrejas, uma enorme sala capitular, além do local da primeira tumba de Inês, diante do altar da igreja da Bem-aventurada Virgem Maria. Descobriu-se também um vasto cemitério, com cerca de mil esqueletos, demonstrando que as comunidades deveriam ter sido bastante numerosas e que, além disso, o cemitério serviu também ocasionalmente a outras sepulturas, especialmente de membros da família real de Boêmia, que durante períodos de guerra buscavam refúgio no mosteiro.

2.Contatos com a Cúria Romana e com Clara de Assis

Durante a vida de Inês, vinte e dois documentos papais lhe foram dirigidos, em decorrência de solicitações que fazia à Santa Sé. Santa Clara de Assis também escreveu-lhe cartas, das quais foram encontradas quatro (de 1234, entre 1235-1236, de 1238 e de 1253), onde se descobre a sua rica espiritualidade. Existem também diversos documentos literários, figurativos e arqueológicos que atestam a pertença de Inês à Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara, a sua dinâmica atividade na defesa do ideal clariano e franciscano, o ideal de vida evangélica em pobreza e o seu amor à Ordem. Entre a lutas que Inês enfrentou como abadessa das Clarissas de Praga, a questão da Regra merece um destaque especial. No início, como segurança jurídica professou-se a Regra de São bento, como em Assis. Em 1243 Inês escreve ao Papa Inocêncio IV procurando ter a possibilidade de professar a Regra de São Francisco, mas não consegue alcançar este objetivo. Ao contrario, em 1245 Inocêncio IV irá instar com ela para que observe a Regra dada pelo Cardeal Hugolino e; volta a promulga-la para toda a Ordem com este objetivo. Apenas dois anos mais tarde, em 1247, ele mesmo promulga outra Regra onde a Regra de São Bento é substituída pela de São Francisco. Mas em relação à questão da pobreza, admite ter posses e renda; entretanto, Inês já havia conseguido em 15 de abril de 1238 a aprovação do Privilégio da Pobreza para o seu Mosteiro de São Francisco de Praga.

3.Documentos biográficos

Literariamente, a documentação mais expressiva é a Legenda de Inês, uma obra magnífica, que remonta ao fim do século XIII ou à primeira metade do século XVI (provavelmente entre 1280 e 1330) e foi sempre fonte inexaurível para os biógrafos, historiadores e poetas. Esse monumento literário de vital importância surgiu, provavelmente, das mãos de um frade menor, talvez capelão ou confessor do mosteiro, pertencente à corrente franciscana mais observante e simultaneamente à Santa Sé. Não conheceu Inês pessoalmente, mas teve oportunidade de recolher informações junto àquelas pessoas que com ela conviveram. Os mais antigos manuscritos da Legenda são os de Sebenico (descoberto em 1931), o de Babberga (encontrado em 1915) e o de Milão, descoberto em 1896, por Aquiles Ratti, futuro Papa Pio XI, na Biblioteca Ambrosiana, juntamente com uma cópia direta ou pelo menos bem antiga das Cartas de Santa Clara à princesa clarissa de Praga. Na seqüência dos séculos, outras biografias puderam testemunhar o desenvolvimento da Legenda, como elaborações efetuadas sobre seu texto, a partir da mentalidade e do estilo de cada época em que eram escritas. Tornou-se a fonte histórica de primeira importância e o documento fundamental a que se recorre para biografias. Inês de Praga jamais desapareceu na história da Boêmia e na Igreja do ocidente e a constante e ininterrupta veneração dos fiéis de Praga e de toda a nação tcheco-eslovaca. Esta veneração tem sua base nos ideais ascéticos de Inês e no seu desprendido serviço aos mais necessitados. As memórias literárias e figurativas apresentam a célebre clarissa de Praga como grande santa e protetora dos desprotegidos e débeis. Os documentos e as memórias arqueológicas representam-na como fundadora e construtora de obras que sobreviveram nos séculos, mantendo viva a sua herança espiritual. Tudo isso constitui um esplêndido monumento histórico, enriquecido por valiosas contribuições que estudiosos de sua própria pátria têm publicado.

4.Beatificação e Canonização

Inês morreu em 1282, com setenta e um anos de idade, tendo dedicado tudo de si para tornar o Mosteiro de São Francisco um espelho da vivência do ideal franciscano e clariano. Foi sepultada na igreja da Bem-aventurada Virgem Maria, diante do altar. Seus restos mortais permaneceram no complexo do mosteiro até 1782, data da extinção do Mosteiro, tendo sido transferidos de local diversas vezes por causa da umidade que impedia a conservação das relíquias. Em determinada época, seu sarcófago tornou-se desconhecido, sendo reencontrado em 1643, fato grandemente comemorado em Praga. A canonização de Inês era esperada para logo após sua morte. Em vista disso, foi enviado um dossiê de documentos a Roma, mas acabou ficando em Milão por causa de guerras, sendo descoberto somente em 1896. A popularidade da princesa foi constante nos séculos; venerada como santa entre o seu povo, só muito tarde recebeu a aprovação oficial da Igreja. Em 1874 foi beatificada pelo Papa Pio IX; a 12 de novembro de 1989 foi canonizada pelo Papa João Paulo II em Praga.

Conclusão

Anezka, a princesa boêmia que tornou-se clarissa, deixou uma rica herança espiritual à sua nação e à Igreja: a fundação da Ordem dos Crucíferos e o ideal de pobreza transmitido às Irmãs Pobres de Santa Clara de Praga, no Mosteiro de São Francisco por ela fundado, além de uma influência espiritual que atingiu toda a igreja na sua região e na Europa. Graças a estudos desenvolvidos recentemente, especialmente pelo tcheco Jan Kapistran Viscocil, a figura de Inês vem tendo uma grande projeção no mundo, de maneira especial pela sua fidelidade ao ideal de Clara e sua íntima ligação espiritual com a fundadora da Ordem das Clarissas.

Bibliografia
Fontes Clarianas – Vozes/Cefepal, Petrópolis 1993.
Omaechevarria, Ignacio – Las Clarisas a través de los siglos. Editorial Cisneros, Madrid 1972.
Forma Sororum – Rivista delle Clarisse d’Italia, Anno XX – 1983 n.1
Nemec, Jaroslav – Agnese di Praga. In Forma Sororum marzo 1982 (pp.7-48)
João Paulo II – Verdadeiros Discípulos de Cristo, in L’Osservatore Romano, Anno XX n.47 (19 de novembro de 1989